Estudo oficial realizado com mais de 21 mil policiais da Polícia Militar (PM), Polícia Civil (PC), Bombeiros, Perícia, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal demonstra que a Polícia Federal é a instituição policial com os maiores índices de insatisfação e descontentamento com a carreira, e aponta quais são os problemas que fazem algumas corporações não serem bons ambientes de trabalho.
Um ponto muito importante a ser destacado aqui, para entendimento do resultado altamente negativo entre os Policiais Federais, é que a esmagadora maioria dos respondentes da Polícia Federal na pesquisa, ou seja, 91,5% destes, ocupam cargo policial que não o de delegado de polícia, ou seja, são escrivães, agentes, papiloscopistas e peritos, que são a grande maioria dentro da instituição, e que não têm as mesmas oportunidades profissionais e de carreira que os delegados, o que explica os resultados alarmantes do estudo.
No vídeo anexo, postado em 27 de abril de 2022 (https://youtu.be/rWtQgF2t48A), que "viralizou" recentemente nos grupos policiais, um youtuber que se apresenta como ex-PRF explica os pontos principais do estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas (CPJA) da Escola de Direito da FGV em São Paulo, e originalmente postado no ano de 2014 no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a SENASP, secretaria ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (acesse aqui: https://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/opiniao-dos-policiais-brasileiros-sobre-reformas-e-modernizacao-da-seguranca-publica/).
O primeiro aspecto tratado pelo autor, logo no início do vídeo, é que o fato de “a PRF ser uma corporação muito horizontal”, ou seja, por “não haver uma chefia muito cristalizada, por não haver o militarismo das polícias militares, ou a existência de um cargo como o de delegado, que faz a função de chefe” e que “isso faz com que a instituição seja muito saudável e que as pessoas sejam mais felizes”. O youtuber destaca que na PRF as chefias são funções temporárias, ou seja, alguém que é chefe pode ser o chefiado tempos depois, e isso faz com que as pessoas “não pisem umas nas outras”.
Entrando na parte do conteúdo do estudo em si, foi perguntado aos policiais se eles achavam que “as polícias deveriam ser organizadas em carreira única, com uma única porta de entrada (concurso para ingresso)”, e o resultado mostrou que as polícias, em geral, não estão satisfeitas com a forma que estão organizadas, sendo que o percentual médio de “concordo totalmente” foi de 62,1%. A polícia que teve o maior percentual de “concordo totalmente” para esta pergunta foi a Polícia Federal, atingindo 75,5%, denotando maior índice de insatisfação com a organização atual da carreira entre as instituições policiais pesquisadas.
A segunda pergunta destacada no vídeo foi a respeito da forma de hierarquia atualmente existente em cada uma das polícias, em especial "se esta hierarquização provoca sentimento de desrespeito e injustiças profissionais", de maneira que 60,2% dos respondentes, na média, apontaram que concordam com a pergunta. Novamente, a Polícia Federal foi a instituição “campeã”, com maior percentual de concordância, com 65,9% do total de respondentes, demonstrando maior incidência de situações de desrespeito e injustiças profissionais. A PRF ficou com o menor índice de concordância com a pergunta, 40,4%, o que demonstra que a forma de hierarquia lá existente incomoda menos aos policiais da instituição. Lembrando que a PRF é horizontalizada, tem cargo único, e por isso, carreira única.
A terceira pergunta comentada no vídeo levantou a ocorrência de "humilhações ou situações de desrespeito por superiores hierárquicos", onde o percentual médio de resposta foi de 59,6%, sendo que as corporações militares (polícia e bombeiros) ficaram com os primeiros lugares, e a Polícia Federal com o terceiro lugar, atingindo 61,5%. A PRF ficou com o menor índice, 36,9%, demonstrando que situações de humilhação e desrespeito ocorrem com muito menos frequência dentro desta instituição policial, demonstrando um clima e uma uma cultura interna muito mais saudáveis. Reparem a diferença abissal entre os resultados da PF e da PRF, em todos os quesitos.
A quarta pergunta verificou os planos para o futuro profissional do policial em cada instituição. Na média geral, os que “pretendem se aposentar na corporação” foram 55,1% dos respondentes, sendo que novamente a Polícia Federal ficou com os piores índices de todas as polícias, onde apenas 42,3% pretendem se aposentar na instituição, o que demonstra novamente alto índice de insatisfação com a carreira.
A segunda opção colocada na mesma pergunta foi a respeito da “pretensão de sair da corporação assim que houver outra oportunidade”, sendo que, na média, 34,4% dos respondentes disseram escolher essa opção, e a Polícia Federal ficou novamente com o pior índice, 45,5% do total de respondentes. As duas perguntas analisadas em conjunto demonstram que o sentimento entre os Policiais Federais respondentes é o de que, proporcionalmente, menos policiais pretendem permanecer na instituição até a sua aposentadoria, sendo que no caso de surgimento de uma oportunidade alternativa de trabalho, quase metade abandonaria a carreira.
A última pergunta verificou se “caso pudesse escolher novamente, você optaria outra vez pela carreira na sua corporação”, o que, na prática, é uma forma de perguntar "se o policial está arrependido de ter escolhido sua carreira". Na média, 43,8% responderam que sim, que escolheriam novamente a mesma carreira, ou seja, que não estão arrependidos com a escolha que fizeram. Entre os Policiais Federais o índice cai praticamente pela metade, atingindo apenas 23,9% dos respondentes, demonstrando arrependimento, insatisfação e descontentamento. Os resultados percentuais são praticamente inversos na PRF, 57,4% dos respondentes disseram que escolheriam novamente a mesma carreira, demonstrando contentamento.
Além do conteúdo postado no vídeo, analisando também a documentação completa da pesquisa (https://forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/FBSP_Opiniao_policiais_brasileiros_reformas%20_seguranca_publica_2014.pdf) pudemos extrair que 66,2% dos respondentes acreditam que as carreiras policiais não são adequadas do modo como estão organizadas, sendo que 80,9% afirmam que as polícias deveriam ser organizadas em carreira única, com uma única porta de entrada, e para 86% dos respondentes o foco deveria ser o resultado, e menos burocracia. Ainda 86,21% dos respondentes acreditam que os profissionais de segurança pública deveriam ser organizados em estruturas hierárquicas e de gestão mais eficientes.
O estudo também destacou que, na média, 67,4% do total de respondentes discordaram da exigência de formação em direito para o ingresso nas carreiras policiais, sendo que os Policiais Federais ficaram com o primeiro lugar no quesito, com 91,1% do total de respondentes apontando serem contra tal exigência (coincidentemente, 91,5% dos respondentes da Polícia Federal não ocupam o cargo de delegado, que tem exigência de formação em direito para ingresso).
Recomendamos a leitura completa do documento para que o leitor possa conhecer não só o problema específico de carreira existente na Polícia Federal, mas o contexto de toda a segurança pública brasileira aos olhos dos operadores de segurança pública, que estão todos os dias em campo dedicando e doando suas vidas por pessoas que nem conhecem. Boa leitura.
É só regulamentar a carreira única da PF conforme previsto na CF, do mesmo modo como já foi feito na PRF. Simples. Se todo mundo da carreira policial, que tem nível superior, ganhar os mesmos salários, os problemas estão resolvidos. Na PRF já é assim.
ResponderExcluirO cargo de Delegado ainda existir no Brasil é um atraso para o Sistema de segurança pública, tanto em seu macro quanto micro gestão. Não faltam pesquisas, inclusive de doutrinadores brasileiros, explanando o quanto o cargo de Delegado dificulta os processos de uma ocorrência policial. Diversos países já aboliram esse cargo ultrapassado, e este, hoje, no Brasil, só existe devido à sua casta política e forte lobby no congresso, sendo uma pedra no sapato do funcionalismo público. Apesar de eu ser de polícia ostensiva, após alguns anos entregando ocorrências na polícia judiciária e tendo contato com seus agentes, além de uma leitura rápida sobre outras formas de condução do inquérito, fica claro o quão necessária é a abolição do cargo de Delegado.
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