sábado, 20 de junho de 2020

Qual é o prazo necessário para se fazer justiça?



Qual é o prazo necessário para se fazer justiça? A sociedade espera que o quanto antes, pois, a paz social deve ser perseguida com os instrumentos necessários para estabelecê-la sempre que perturbada.

O indivíduo pode sofrer pela inércia de um procedimento administrativo ou judicial em razão de sua demora em concluí-lo? Segundo a 6ª do STJ, em julgamento do dia 16 do corrente mês, a resposta é sim.

Temos duas situações antagonistas que precisamos urgentemente ser discutidas, quais sejam, a paz social versus a espada do Estado sobre o possível indivíduo violador da referida paz sob a métrica do tempo.

A primeira questão a ser observada está na seguinte afirmação:

“A 6ª turma do STJ, em julgamento nesta terça-feira, 16, determinou o trancamento de inquérito policial por coação ilegal, diante do excesso de prazo na investigação.”

O relator do julgamento assim se manifesta, segundo a reportagem:

Para mim, o cenário exposto não justifica tão demorada investigação. É patente o excesso de prazo a ponto de justificar o trancamento dos inquéritos. É inadmissível que uma investigação dure quase 6 anos, sobretudo quando não revelada maior complexidade, mostrando-se evidente a ineficiência do Estado. As próprias instâncias ordinárias reconhecem a demora, tanto que o Juiz a quo chegou a promover, de ofício, o arquivamento de um dos feitos. Além disso, em nenhum momento foram dadas notícias concretas de que os ditos inquéritos se encontram em sua parte final, prestes a serem solucionados.” (grifo nosso)


O judiciário identifica a ineficiência do Estado mediante uma exagerada demora na investigação de baixa complexidade. Esse diagnóstico precisa ir além de uma simples constatação para abonar o investigado da apuração perseguida por dois órgãos do Estado, isto é, a Polícia e Ministério Público.

O Ministério Público é o principal interessado nos resultados das investigações policiais, pois, é o órgão incumbido pelo constituinte originário para ser o Estado acusador, devendo ser munido de razões pautadas em indícios que indiquem conduta que venham infringir as leis.

O órgão policial foi designado para apurar infrações penais destinando as suas coletas de informações ao Estado acusador para que, entendendo pertinentes, apresentar denúncia ao Estado julgador.

A discussão que ocorre no julgamento é exatamente o tempo necessário para realizar a apuração das possíveis infrações penais cometidas pelo potencial investigado. No caso em tela, o órgão policial não cumpriu o seu papel a contento, sendo julgado como ineficiente.

Houve divergência desse posicionamento, sendo voto vencido. No entanto, é interessante destacar os pontos ressaltados no referido voto. Assim emite o primeiro argumento:

Por conta de uma legislação antiga, de 75 anos, não temos uma regulação precisa, moderna, do próprio ato de indiciamento e deste controle judicial quanto ao prazo de duração.” (grifo nosso)


O Código de Processo Penal (CPP) tem 78 anos com inúmeras reformas e alterações esparsas, cujas mudanças atravessaram a promulgação da Constituição de 1988, esta perfaz 31 anos de pleno vigor. 

Há o pressuposto de que a Nova Carta Política instrumentalizou o Estado com ferramentas para atender melhor a vida do cidadão brasileiro, inclusive, na defesa da paz social.

Olhando pelo retrovisor da história do CPP, observa-se que as alterações não focaram no ponto principal para dar celeridade a investigação policial. O Estado continua usando instrumentos do século XIX, quiçá dos séculos anteriores, cujo modelo é baseado em dois tipos de polícia, quais sejam, a preventiva e a repressiva. Essa dicotomia seria a base da principal deficiência do Estado.

Nesse voto divergente, o juiz usa o Direito comparativo, para fundamentar a decisão em favor do Estado, em razão da sua assoberbada tarefa de investigar, consequentemente, a mora de chegar a conclusões nas respectivas persecuções policiais. Desta forma, o que parece ser , em um primeiro momento, uma defesa, revela-se em argumento explícito favorável ao paciente reclamante, destaca a reportagem:

"Ministro Schietti citou ainda exemplos de legislações da Itália e do Chile, que determinam prazos para encerramento dos inquéritos, e propôs no voto a fixação de critérios para aferir o tempo maior ou não da investigação."

O contraste da defesa do Estado se encontra na exata medida em usar dois países cujas polícias têm estruturas diferentes da do Brasil. A fase pré processual nos países estrangeiros citados é organizada a fim de dar celeridade as investigações policiais. Dotados de ciclo completo, os quais romperam com que ainda aqui impera (sim, desde à época do império) o modelo bipartido das funções policiais e de um sistema sem burocracia excessiva para registrar a apuração da infração. Assim, o policial que está cumprindo as funções de prevenção pode assumir as funções de investigação, registrá-las e enviar ao Ministério Público para denunciar ao Estado Juiz, se assim entender.

O Chile adota o sistema de ciclo completo, cuja soluções chegam a 80%, 90%. Aquele Estado estrangeiro tem um índice satisfatório que proporciona uma paz social mediante a eficiência de suas polícias que atuam em maior ou menor complexidade para combater a criminalidade, porém, elas atuam estruturadas em ciclo completo. O policial é responsável do início ao fim da investigação, cabe a ele iniciar imediatamente as investigações quando recebida a notícia da ocorrência de crime.

Voltando ao Brasil, o relator registra a inércia das investigações brasileiras que culmina em arquivamento dos procedimentos policiais:

O próprio juiz chegou a arquivar um dos inquéritos por inércia. Esse arquivamento só foi ser revisto pelo tribunal. O próprio MP local pediu à polícia diligência para acelerar. Acho até um certo descaso com o próprio tribunal. Chega a uma determinada situação que é um desrespeito com o próprio jurisdicionado.

O nosso modelo ainda tem um agravante que vem desde o Império Colonial, como é o caso da Polícia Federal, onde a instituição policial tem uma carreira apenas, mas com vários cargos policiais dentro dela, onde somente um destes cargos recebe a função de chefiar a investigação, e onde os demais policiais investigam (de fato) por 30 anos, mas não podem chefiar investigações. Esse único cargo de chefe de investigação é responsável também por administrar os prédios, a parte administrativa, são deslocados para outras áreas do governo e entre outras tarefas, as quais não dizem respeito ao fim destinado do cargo policial que tem por finalidade apurar infrações penais.

Assim, nos órgãos policiais temos policiais cumprindo meias funções de um policial completo, o policial militar e o policial civil. O policial militar não apura crimes, nas polícias civis ainda temos mais duas classes de policiais, o que investiga e que não apura as infrações penais. Há um gargalo, uma represa para apurar os crimes que somente reformulando a estrutura constitucional no seu art. 144 da Constituição Federal, o Brasil poderá igualar os índices de elucidação de crimes comparáveis ao da Itália e do Chile. Desta forma, a justiça poderá fazer a comparação com aqueles países.

Ou mudamos para que o modelo brasileiro seja, de fato e de direito, comparável com os dos países citados ou permanecemos nesse modelo ineficiente homenageando a impunidade.

DIRETORIA ANEPF
Brasília, 20/06/2020

Esta publicação tem por base esta reportagem do site "Migalhas", intitulada "Investigado por peculato há quase seis anos consegue trancamento de inquéritos no STJ - Decisão na 6ª turma, por maioria, foi a partir do voto do relator, Sebastião Reis Jr.", de 17 de junho de 2020, link: https://www.migalhas.com.br/quentes/329127/investigado-por-peculato-ha-quase-seis-anos-consegue-trancamento-de-inqueritos-no-stj

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