Qual é o prazo necessário para se fazer justiça? A sociedade
espera que o quanto antes, pois, a paz social deve ser perseguida com os
instrumentos necessários para estabelecê-la sempre que perturbada.
O indivíduo pode sofrer pela inércia de um procedimento
administrativo ou judicial em razão de sua demora em concluí-lo? Segundo a 6ª
do STJ, em julgamento do dia 16 do corrente mês, a resposta é sim.
Temos duas situações antagonistas que precisamos
urgentemente ser discutidas, quais sejam, a paz social versus a espada do
Estado sobre o possível indivíduo violador da referida paz sob a métrica do
tempo.
A primeira questão a ser observada está na seguinte
afirmação:
“A 6ª turma do STJ, em julgamento nesta terça-feira, 16,
determinou o trancamento de inquérito policial por coação ilegal, diante do
excesso de prazo na investigação.”
O relator do julgamento assim se manifesta, segundo a
reportagem:
“Para
mim, o cenário exposto não justifica tão demorada investigação. É
patente o excesso de prazo a ponto de justificar o trancamento dos inquéritos.
É inadmissível que uma investigação dure quase 6 anos, sobretudo quando não
revelada maior complexidade, mostrando-se evidente a ineficiência do Estado.
As próprias instâncias ordinárias reconhecem a demora, tanto que o Juiz a quo
chegou a promover, de ofício, o arquivamento de um dos feitos. Além disso, em
nenhum momento foram dadas notícias concretas de que os ditos inquéritos se
encontram em sua parte final, prestes a serem solucionados.” (grifo
nosso)
O judiciário identifica a ineficiência do Estado mediante
uma exagerada demora na investigação de baixa complexidade. Esse diagnóstico
precisa ir além de uma simples constatação para abonar o investigado da
apuração perseguida por dois órgãos do Estado, isto é, a Polícia e Ministério
Público.
O Ministério Público é o principal interessado nos
resultados das investigações policiais, pois, é o órgão incumbido pelo
constituinte originário para ser o Estado acusador, devendo ser munido de
razões pautadas em indícios que indiquem conduta que venham infringir as leis.
O órgão policial foi designado para apurar infrações penais
destinando as suas coletas de informações ao Estado acusador para que,
entendendo pertinentes, apresentar denúncia ao Estado julgador.
A discussão que ocorre no julgamento é exatamente o tempo
necessário para realizar a apuração das possíveis infrações penais cometidas
pelo potencial investigado. No caso em tela, o órgão policial não cumpriu o seu
papel a contento, sendo julgado como ineficiente.
Houve divergência desse posicionamento, sendo voto vencido. No
entanto, é interessante destacar os pontos ressaltados no referido voto. Assim
emite o primeiro argumento:
“Por conta de uma legislação antiga, de 75 anos, não temos uma
regulação precisa, moderna, do próprio ato de indiciamento e deste controle
judicial quanto ao prazo de duração.” (grifo nosso)
O Código de Processo Penal (CPP) tem 78 anos com inúmeras reformas
e alterações esparsas, cujas mudanças atravessaram a promulgação da
Constituição de 1988, esta perfaz 31 anos de pleno vigor.
Há o pressuposto de
que a Nova Carta Política instrumentalizou o Estado com ferramentas para
atender melhor a vida do cidadão brasileiro, inclusive, na defesa da paz
social.
Olhando pelo retrovisor da história do CPP, observa-se que
as alterações não focaram no ponto principal para dar celeridade a investigação
policial. O Estado continua usando instrumentos do século XIX, quiçá dos
séculos anteriores, cujo modelo é baseado em dois tipos de polícia, quais
sejam, a preventiva e a repressiva. Essa dicotomia seria a base da principal
deficiência do Estado.
Nesse voto divergente, o juiz usa o Direito comparativo,
para fundamentar a decisão em favor do Estado, em razão da sua assoberbada
tarefa de investigar, consequentemente, a mora de chegar a conclusões nas
respectivas persecuções policiais. Desta forma, o que parece ser , em um
primeiro momento, uma defesa, revela-se em argumento explícito favorável ao
paciente reclamante, destaca a reportagem:
"Ministro Schietti citou ainda exemplos de
legislações da Itália e do Chile, que determinam prazos para encerramento
dos inquéritos, e propôs no voto a fixação de critérios para aferir o tempo
maior ou não da investigação."
O contraste da defesa do Estado se encontra na exata medida
em usar dois países cujas polícias têm estruturas diferentes da do Brasil. A
fase pré processual nos países estrangeiros citados é organizada a fim de dar
celeridade as investigações policiais. Dotados de ciclo completo, os quais
romperam com que ainda aqui impera (sim, desde à época do império) o modelo
bipartido das funções policiais e de um sistema sem burocracia excessiva para
registrar a apuração da infração. Assim, o policial que está cumprindo as
funções de prevenção pode assumir as funções de investigação, registrá-las e
enviar ao Ministério Público para denunciar ao Estado Juiz, se assim entender.
O Chile adota o sistema de ciclo completo, cuja soluções
chegam a 80%, 90%. Aquele Estado estrangeiro tem um índice satisfatório que
proporciona uma paz social mediante a eficiência de suas polícias que atuam em
maior ou menor complexidade para combater a criminalidade, porém, elas atuam
estruturadas em ciclo completo. O policial é responsável do início ao fim da investigação,
cabe a ele iniciar imediatamente as investigações quando recebida a notícia da
ocorrência de crime.
Voltando ao Brasil, o relator registra a inércia das
investigações brasileiras que culmina em arquivamento dos procedimentos
policiais:
“O próprio juiz chegou a arquivar um dos inquéritos
por inércia. Esse arquivamento só foi ser revisto pelo tribunal. O
próprio MP local pediu à polícia diligência para acelerar. Acho até um certo
descaso com o próprio tribunal. Chega a uma determinada situação que é um
desrespeito com o próprio jurisdicionado.”
O nosso modelo ainda tem um agravante que vem desde o
Império Colonial, como é o caso da Polícia Federal, onde a instituição policial
tem uma carreira apenas, mas com vários cargos policiais dentro dela, onde somente
um destes cargos recebe a função de chefiar a investigação, e onde os demais
policiais investigam (de fato) por 30 anos, mas não podem chefiar investigações.
Esse único cargo de chefe de investigação é responsável também por administrar
os prédios, a parte administrativa, são deslocados para outras áreas do governo
e entre outras tarefas, as quais não dizem respeito ao fim destinado do cargo
policial que tem por finalidade apurar infrações penais.
Assim, nos órgãos policiais temos policiais cumprindo meias
funções de um policial completo, o policial militar e o policial civil. O
policial militar não apura crimes, nas polícias civis ainda temos mais duas
classes de policiais, o que investiga e que não apura as infrações penais. Há
um gargalo, uma represa para apurar os crimes que somente reformulando a
estrutura constitucional no seu art. 144 da Constituição Federal, o Brasil
poderá igualar os índices de elucidação de crimes comparáveis ao da Itália e do
Chile. Desta forma, a justiça poderá fazer a comparação com aqueles países.
Ou mudamos para que o modelo brasileiro seja, de fato e de
direito, comparável com os dos países citados ou permanecemos nesse modelo ineficiente
homenageando a impunidade.
DIRETORIA ANEPF
Brasília, 20/06/2020
Esta publicação tem por base esta reportagem do site "Migalhas", intitulada "Investigado por peculato há quase seis anos consegue trancamento de inquéritos no STJ - Decisão na 6ª turma, por maioria, foi a partir do voto do relator, Sebastião Reis Jr.", de 17 de junho de 2020, link: https://www.migalhas.com.br/quentes/329127/investigado-por-peculato-ha-quase-seis-anos-consegue-trancamento-de-inqueritos-no-stj
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