domingo, 10 de junho de 2018

Nota pública ANEPF 1/2018


A Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal manifesta-se publicamente a respeito do recente caso "Escrivão é preso por delegado por usurpação de função na RMC", ocorrido no dia 08/06/2018 no Paraná.

Link da reportagem: http://www.tribunapr.com.br/noticias/curitiba-regiao/escrivao-e-preso-pelo-proprio-delegado-na-rmc/"

O "casamento" está um inferno, mas a o divórcio está difícil de sair.

Não é de agora que este relacionamento vai de mal a pior. Estamos falando de uma relação pensada em outro contexto (meados do século passado) e, assim como o ultrapassado inquérito policial, já deveria ter deixado de existir.

Nos referimos à dupla que trabalha nos autos dos inquéritos policiais: o delegado e o escrivão.

Na verdade, tanto o inquérito quanto a estrutura organizacional de uma polícia pautada na burocracia e longe de ser eficiente é mantida por interesse único e exclusivo de uma classe policial, a dos delegados.

Às vezes é preciso algum evento "estranho" acontecer para que se evidencie o absurdo, se escancare a desordem, a desarmonia, a incoerência.

Esse evento referido acima ocorreu nesta última sexta-feira, na Delegacia de Fazenda Rio Grande/PR, na região metropolitana de Curitiba/PR. 

Um escrivão de polícia foi preso acusado de usurpação de função pública e desobediência. De acordo com o boletim de ocorrência, a situação aconteceu durante a apreensão de um adolescente, na qual o escrivão teria atuado em desacordo com as orientações do delegado.

Mesmo sem entrar a fundo no ocorrido, para evitar conclusões precipitadas, é possível e oportuno se fazer algumas considerações e trazer à baila um pouco de uma realidade desconhecida da imensa maioria do povo brasileiro.

Quem já teve seu veículo ou residência furtados sem autoria conhecida, por exemplo, e foi até uma delegacia de polícia noticiar o ocorrido, pode perguntar a si mesmo: o que foi feito a respeito? Houve investigação? Ou só foi lavrado um boletim de ocorrência para fins de cobertura de eventual seguro? 

Pois o modelo de investigação no país revela sua ineficiência em todos os detalhes.
Pesquisas oficias e não oficiais apontam a eficiência do modelo investigativo brasileiro (inquérito policial) em menos de dois dígitos percentuais, ou seja, mais de 90% dos crimes cometidos não têm seus autores responsabilizados. Eis o retrato da impunidade em nosso país.

Na maioria das delegacias do Brasil, os inquéritos policiais, quando existem, são conduzidos, em tese, pela dupla delegado e escrivão, com a participação de outros cargos policiais de forma mais periférica.

Dissemos em tese, pois a realidade mostra que os escrivães de polícia, na maioria dos casos, fazem o trabalho enquanto os delegados apenas ratificam o que foi feito (assinam a formalização e montagem do caderno de investigação que "materializa" o inquérito).

Cada cargo tem suas prerrogativas e funções definidas, e cada qual deveria realizar uma parte do trabalho, mas a realidade demonstra um desequilíbrio na relação. Por controlar as ditas polícias judiciárias e suas corregedorias, a classe dominante de delgados criou curvas nas vias retas da lei. Os escrivães acabaram sendo, com o tempo, cada vez mais sobrecarregados e sacrificados, "carregando o piano" sozinhos.

É de conhecimento público que, em grande parte das delegacias de polícia do país, os escrivães formalizam os flagrantes, ouvem suspeitos e testemunhas, intimam, oficiam, enfim, fazem o grosso trabalho, digamos assim, sem a presença física dos delegados. São acionados para irem ao trabalho durante as madrugadas, fora de seu expediente regular de trabalho, cumprem uma escala desumana e atendem e realizam sozinhos os trabalhos.

É no contexto acima que o caso em tela deve ser analisado e eventuais julgamentos prévios feitos pela opinião pública.

Não faremos mais críticas ao modelo, deixando para que cada leitor faça suas próprias pesquisas e tire suas próprias conclusões. Ficaremos por aqui para não nos alongarmos além do objetivo desta manifestação.

Soubemos que, em nota, a Direção da Polícia Civil informou que, assim que tomou conhecimento dos fatos, determinou que a Corregedoria-Geral e a Divisão de Polícia Metropolitana apurassem o caso. “Um procedimento administrativo disciplinar será aberto pela Corregedoria a fim de apurar devidamente os fatos”, informou a corporação.

Esperamos que a referida corregedoria faça sua análise com imparcialidade e livre do forte corporativismo dos delegados, apontando eventuais irregularidades de ambas as partes, não descartando abuso de autoridade, assédio moral, constrangimento ilegal ou qualquer outro entendimento que caiba ao caso por parte do delegado, já que o escrivão já foi, previamente, prejudicado e até sancionado.

Nos colocamos à disposição da representação da classe de escrivães de polícia do estado do Paraná para o que precisarem na defesa da justiça com referência ao colega envolvido.

Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal - ANEPF

17 comentários:

  1. Ficamos honrados e imensamente gratos pela solidariedade dos colegas EPFs com nossa situação. Nosso e-mail é...
    sindespol.pr@hotmail.com

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  2. Ótimo texto que retrata, infelizmente, a realidade nas delegacias de todo o Brasil!

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  3. Faço minhas, suas palavras. Obrigado!

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  4. Usurpação quando convem a eles.. paerm os escrivães e o mecanismo emperra...pois é a principal engrenagem da Policia Judiciaria na forma em que é constituida e funciona atualmente. ..

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  5. Desvio de função e usurpação da função de carcereiro, também ocorre com os investigadores de polícia do Estado do Paraná. Neste tipo de situação, como lhe é conveniente, a autoridade policial faz vistas grossas.

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  6. Muito bom texto. Quem carrega a Delegacia nas costas é o Escrivão de Polícia, principalmente na Polícia Civil. Chega de tanta disparidade salarial entre Delegados e seus Agentes. Aliás até hoje eu não entendo do porque uma DP precisa de Delegado de Polícia. Assinar papel? isso qualquer um faz.

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    1. Perfeito o comentário. Apenas uma observação. Os agentes não são do delegado. Então é bom evitar esse termo "delegado e seus agentes".

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Se cada qual andasse no seu degrau, essa escada da Polícia Civil não chegava a lugar nenhum. Aliás, não saia do primeiro. Sou Policial Civil do DF, e como Agente de policia, carreguei muitas investigações nas costas e depois as autoridades batem as palmas para às autoridades. Nessa soberba que ganha é o vagabundo. Parabéns a ANEPF pela Nota.

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  9. Sou advogada no DF e por vezes quando precisei de esclarecimento sobre diversas situações pré-processuais foram os escrivães, que pela lida diária têm muito mais expertisse nos assuntos criminais do que muitos delegados. É muito indio pra pouco apache. Vaidade foi o grande problema desse infeliz delegado!!
    Parabéns pelo excelente texto.

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  10. Gostei da explanação usada na frase "com a participação de outros cargos policiais de forma mais periférica", que deu a entender que os investigadores, agentes, policiais militares, agentes das polícias rodoviárias, vítimas e testemunhas envolvidas são "satélites" que giram ao redor dos "delegados e escrivães"! Acredito que seria melhor "repensar" essa frase, pois as situações de inquérito, jamais seriam demandadas, sem o envolvimento direto dos satélites, pois se não fossem trazidos até a autoridade, apresentados ou comparecessem, jamais existiriam inquéritos para que as duas partes que deveriam cuidar da parte mais simples e limpa, o fizessem, e mesmo assim, por ciúmes ou orgulho, conseguem chamar a atenção para si, e enevoar um serviço bem feito pelos que lá estavam, na noite fria, longe dos seus familiares!

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  11. Parabéns pela atitude, somos uma cstehocat muito desvaloriza...

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  12. Parabéns pela matéria. Nossos sinceros agradecimentos.

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  13. tá na hora dos escrivães serem respeitados e valorizados pela polícia, principalmente pelos delegados que nunca estão presentes na delegacia para exercer sua função. Os delegados assumem o comando de várias delegacias, ganham por isso e passa o trabalho para o escrivão. É absurdo !!

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