sexta-feira, 29 de junho de 2018

Vamos discutir a CARREIRA ÚNICA nas polícias?


Vamos discutir a CARREIRA ÚNICA nas polícias?

Tomemos como base o texto "Ideia de uma carreira única na polícia judiciária é utopia", de 16 de junho de 2018, publicado no site CONJUR, e de autoria de Erick da Rocha Spiegel Sallum, delegado da Polícia Civil (DF), ex-agente da Polícia Federal e pós-graduado em Direito Constitucional, Direito Processual Penal e Direito Penal*.

Nós, representantes da Diretoria da Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal, também policiais com larga experiência e com formações universitárias em variadas áreas do conhecimento, sendo algumas delas, por exemplo, Direito, Engenharia, Economia, Contabilidade, Marketing, Ciências da Informação, discordamos da tese defendida pelo texto.

Vamos desconstruir os argumentos de sustentação, didaticamente, um a um, conforme segue:

1) "Essa formulação se baseia num modelo onde a carreira policial possuiria entrada única com posteriores progressões aos níveis mais altos, sem que haja, contudo, especializações em cargos distintos."

Comentário: Não procede tal afirmação. Em primeiro lugar, não se trataria do instituto de “progressão”, mas sim “promoção” aos cargos mais altos, dispositivo constitucionalmente válido segundo o Direito Administrativo. Tal promoção se fundamentaria na experiência da atividade policial exercida, aliada à análise da qualidade dos serviços prestados pelo policial à sociedade ao longo de sua carreira, além de, necessariamente, demandar-se constante aperfeiçoamento técnico-profissional, ou seja, com base na meritocracia. No Ministério Público existem Procuradores (ou seja, sendo todos do mesmo CARGO) especializados em crime organizado, em tráfico de drogas, em crimes de informática, em crimes financeiros. Por acaso precisam ser de cargos diferentes para trabalharem em distintas áreas? Não. Então por que é que na polícia também não pode haver carreira única com entrada única e especialização ao longo da carreira, de acordo com o perfil, experiência e qualificação do servidor?

2) "Feita essa pequena digressão e retornando o foco ao tema, é necessário registrar que a teoria geral da administração há muito estabelece a estratificação funcional como fundamental à eficiência do fluxo de trabalho. Vale dizer: onde todos fazem tudo, em verdade, ninguém faz nada."

Comentário: Não procede tal alegação. Não existe o contexto sugerido de que, com a CARREIRA ÚNICA "todo mundo faz tudo". O policial ingressa na carreira pela base, executando policiamentos ostensivos e atividades mais operacionais de forma geral, e vai galgando postos de gestão, direção e comando OU postos de especialista, conforme experiência, aptidão, formação e cursos realizados ao longo da sua vida profissional. O policial inicia suas atividades profissionais fazendo um tipo de serviço mais genérico e, ao longo da carreira, vai se especializando. É assim que funcionam todas as polícias do mundo.

3) "A administração pública segue essa concepção e busca se organizar em níveis hierárquicos. Em nome da legalidade estrita, essa organização é estruturada a partir da criação de cargos, que são estruturados em carreiras, recebendo atribuições fixadas em lei."

Comentário: Sim, a Administração Pública se organiza em níveis hierárquicos, e sim, há cargos (no plural), sendo muito comum que alguns deles sejam alinhados na MESMA CARREIRA (no singular). Ressalte-se que, dentro da mesma instituição podem existir carreiras distintas, principalmente a depender se encontram-se destinados à consecução de atividade MEIO ou atividade FIM. Mas em todas as polícias do mundo funciona da seguinte maneira: para a realização da atividade MEIO podem existir diversas carreiras, mas, em se tratando de atividade FIM (a atividade policial em si), há uma só CARREIRA (no singular). No Ministério Público e no Judiciário também é assim que funciona: na área fim só existe uma carreira. Temos um excelente exemplo de carreira única aqui no Brasil, na nossa irmã PRF (Polícia Rodoviária Federal), onde já existe a carreira única, com entrada única, ou seja, com apenas um único cargo na área fim.

4) "De qualquer sorte, não se pode negar, por lealdade argumentativa, que, por definição, “chefe” é uma criatura chata, e disso não se tem qualquer dúvida. Contudo, como mencionado, trata-se de um mal necessário. Pelo menos, na administração pública, a chefia é disponível igualitariamente a todos, por meio de concurso público. No lugar do socialismo, temos a meritocracia. A cada um segundo o seu esforço."

Comentário: O tema da carreira única não tem nada a ver com este tipo rotulação, que soa de maneira preconceituosa de forma a confundir o leitor. Além disto, como já falamos mais acima, não existe a situação de que "todo mundo faz tudo", mas sim a de que cada um faz sua atividade dentro do seu nível hierárquico, com base no seu tempo de carreira, sua experiência, suas especializações, e seus próprios méritos. Tal comparação estapafúrdia representa argumentação falaciosa, eis que distorce as informações a fim de mascarar os verdadeiros fatos, os quais se omitem.

5) "Não seria melhor um indivíduo entrar como analista judiciário e ir sendo promovido até a carreira de magistrado? Não faria mais sentido haver apenas um concurso para o Ministério Público e, a partir dessa carreira única, haver uma progressão interna até atingir-se o nível mais alto de promotor? E nas polícias militares, nada mais justo do que se ingressar como praça para somente após anos de experiência chegar-se ao comando, ou não?"

Comentário: NÃO é pertinente a comparação. O mais importante a se apontar é que membros do Judiciário ou do MP exercem atividade fim, numa carreira específica, que por sua vez é jurídica, distintamente de quase a totalidade de seus auxiliares (exceto pelos Analistas Jurídicos, todos os outros são de diferentes formações), sendo a estrutura legal e jurídica das carreiras também completamente distinta em diversos aspectos. No Judiciário e no MP a estrutura das CARREIRAS (no plural) já foi feita de forma distinta, que foi o desejo do constituinte. Na polícia (ao menos quando se tem em mente um modelo eficiente, com elevados índices de solução de crimes – parâmetro do qual estamos distantes, já que nossos percentuais giram em torno de 8%, modelo portanto indefensável), o policial exerce, sempre e invariavelmente, atividade fim. Nas polícias eficientes de qualquer lugar do mundo não existe essa separação entre "membros" e "auxiliares", tratando-se de UMA SÓ CARREIRA (no singular), pois, conforme posto, todos fazem a mesma atividade fim, ingressando-se na base (entrada única), sendo que se pode chegar (ou não) a um posto de comando ou de especialista. Não é possível comparar estrutura legal e jurídica de atuação e carreira do Judiciário/MP com a polícia.

6) "Embora parcela das vozes do debate defenda a desnecessidade de conhecimento jurídico para o desempenho da função policial, a verdade inafastável é bem o contrário. A polícia judiciária, além de desenvolver a função investigativa, atua como porta de entrada do sistema judicial ao formalizar as ocorrências e prisões em flagrante trazidas aos plantões policiais. Falar que é possível atuar de maneira adequada num plantão policial sem profundo conhecimento jurídico é o mesmo que falar que um leigo em medicina teria condições de lidar com o plantão de trauma em um hospital público no Brasil."

Comentário: Não procede a tal "necessidade de profundo conhecimento jurídico" para se trabalhar na polícia judiciária. Tanto é que existem milhares de Agentes, Investigadores e Escrivães que trabalham diuturnamente em plantões e, independentemente das suas formações universitárias, capacitaram-se adequadamente em conhecimentos e noções precípuas do Direito durante as provas do concurso e durante o curso de formação na academia de polícia, o que garantiu a tais profissionais absoluta tranquilidade no exercício policial em seu cotidiano profissional. Atividade essa que pode alcançar níveis de excelência, conforme dito, com o aperfeiçoamento contínuo, ganho de experiência, e uso recursivo de conhecimentos oriundos de distintas áreas de conhecimento (a atividade policial eficiente jamais poderia prescindir da transdisciplinaridade). Não se intenta desmerecer a importância de qualquer área do saber, mas Direito não é "rocket science" como Física Nuclear por exemplo (referência prévia a outro ponto do texto que será comentado), não para se trabalhar num plantão policial, em que se necessita saber os direitos básicos do preso e tipificar uma conduta criminosa.

7) "O fato objetivo é que a complexidade do sistema legal brasileiro demanda em determinadas funções policiais um avançado conhecimento jurídico. Não há como negar isso. A gama de análises que devem ser feitas e as consequências da tomada de decisão durante a atuação da polícia judiciária, principalmente no atendimento de plantão, são imensas e impactam diretamente no status libertatis dos cidadãos. Mesmo após a implantação do sistema das audiências de custódia, a Polícia Civil ainda funciona como a primeira garantidora da Justiça. Afinal, todos os dias, mais notadamente nas madrugadas dos finais de semana e feriados, é a Polícia Civil a primeira aferidora da legalidade do cerceamento da liberdade de terceiros."

Comentário: Quando você vai a uma delegacia, o "primeiro atendimento" a você, cidadão, é feito pelo delegado de polícia ou pelos agentes, investigadores e escrivães que lá estão, durante o dia ou na madrugada? Nem sempre esses policiais que te atendem são formados em Direito, mas estudaram o Direito, no mínimo, durante o concurso público e durante o curso de formação, sendo este nível de conhecimento suficiente para o trabalho policial, aliado à necessária experiência adquirida ao longo do tempo e ao amplo repertório de bagagem técnica multidisciplinar, fatores esses invariavelmente necessários ao corpo de qualquer boa equipe policial.

8) "Além disso, é importante destacar que o Brasil adotou o modelo de investigação preliminar policial. Sendo assim, a Polícia Civil possui protagonismo na condução da investigação, fato que demanda cautela redobrada da sua atuação. Num estado excessivamente garantista, qualquer ação fora dos limites legais poderá gerar nulidades e eventualmente a impossibilidade de condenação por erros cometidos ainda na fase investigatória."

Comentário: Qualquer servidor é responsável pelos seus atos, por seus acertos e pelos seus erros. Qualquer delegado também está passível de errar. Todos os agentes, escrivães e investigadores também precisam conhecer os preceitos legais e constitucionais de sua atuação e também estão sujeitos às mesmas sanções no dia-a-dia, independentemente de terem formação técnica, por exemplo, de engenheiros, dentistas, administradores ou turismólogos. Todos os servidores devem agir com cautela dentro de seus limites legais, e também estão sujeitos à penalização por seus erros. Nem por isso um servidor deixa de atuar, ou deixa de errar. Com responsabilidade, acerta-se muito mais do que se erra. Mas para finalizar este comentário não poderíamos deixar de mencionar também que à luz da Constituição Federal e das normas processuais penais, pode-se afirmar que só recebe o adjetivo “prova” aquilo que é realizado com base no contraditório, até porque os fatos colhidos em sede de investigação preliminar, são apenas elementos informativos, salvo os casos de provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas. Portanto, para a grande maioria dos casos, o inquérito policial tem valor probatório relativo, pois carece de confirmação por outros elementos colhidos durante a instrução processual.

9) "Nesse sentido, havendo necessidade de conhecimento jurídico para o desenvolvimento proveitoso das funções de polícia judiciária, a carreira única geraria uma fossilização da instituição. Ou todos os policiais seriam obrigados a serem bacharéis em Direito, fato que engessaria a cultura institucional pela falta de outras formações acadêmicas; ou haveria uma separação interna informal, atribuindo aos policiais bacharéis em Direito funções específicas em decorrência dessa especialização e, mais uma vez, criando divisões internas."

Comentário: Se todos os policiais brasileiros fossem bacharéis em direito estaríamos indo contra todas as outras instituições policiais no resto do mundo. Nas demais polícias do mundo há diversas formações universitárias, e nem por isso há divisões internas, e sim o contrário: SINERGIA. Basta pesquisar na internet para verificar que há chefes de polícia com formação em Letras, Filosofia, Psicologia, Engenharia, Contabilidade em diversas instituições de segurança pública no mundo afora, como Scotland Yard, FBI e outras pelos Estados Unidos e Europa. Aqui mesmo em nossa página já postamos vários exemplos deste tipo.

10) "No mesmo sentido, a falta de um concurso público específico para bacharéis em Direito, a longo prazo, afastaria os candidatos mais atualizados nesse ramo do conhecimento, pois eles passariam a buscar outros concursos. Após algum tempo, se observaria um enfraquecimento geral da instituição pela desqualificação na prestação de determinadas funções."

Comentário: Não haveria afastamento de profissionais formados em direito pois a VOCAÇÃO para atuação como policial independe de formação em Direito, em Letras, ou em qualquer outra área. Tenho excelentes e abnegados colegas policiais que são dentistas, designers, administradores, etc. Ser policial é uma vocação e não depende de formação universitária. Não existe um curso universitário específico para ser policial aqui no Brasil, inclusive não há na faculdade de Direito disciplinas sobre investigação policial. A polícia precisa de profissionais multidisciplinares, com a necessária vocação, mas com formação em diferentes áreas do conhecimento humano, inclusive o Direito. Não é necessário formação específica em Direito ou "profundo conhecimento jurídico" para se conhecerem princípios humanos fundamentais, constitucionais ou para se tipificar uma conduta criminosa. Vamos a um exemplo cabal: todo soldado ou cabo policial militar do Brasil é o primeiro defensor dos direitos do cidadão, atua na linha de frente, está na cena do crime e não precisa ser formado em Direito para tanto.

11) "Justamente por todas essas peculiaridades também não se acha adequada a comparação com outras instituições, como a Polícia Rodoviária Federal. Lá, há uma carreira única, mas suas funções não demandam especialização acadêmica em determinado área de conhecimento."

Comentário: Dizer que na PRF "suas funções não demandam especialização acadêmica em determinado área de conhecimento" chega a ser um insulto à Polícia mais moderna do Brasil em termos de estrutura organizacional, e não mereceria nenhum comentário adicional. O que dizer dos Policiais Rodoviários Federais que trabalham na ponta, abordando criminosos todos os dias e noites? Como estes policiais conseguem discernir sobre uma conduta ser ou não criminosa, para efetuar uma prisão? Será que todos têm formação em Direito e profundo conhecimento jurídico para tal? Então nem vamos mencionar os profissionais especializados em atendimento médico-socorrista, os que realizam perícias prévias sobre acidentes de trânsito (com habilidades em matemática, física e química), nem os que trabalham na prevenção do tráfico de drogas, contrabando, descaminho, crimes ambientais, roubo de cargas, etc, cada um atuando dentro da sua formação técnica acadêmica e especialização. Nem vamos mencionar os que trabalham de forma a gerir a instituição de forma eficiente e eficaz, atuando em gestão de pessoas, finanças, marketing, planejamento estratégico, etc. Não precisamos mencionar mais do que isso.

12) "De fato, o socialismo fracassou por partir da premissa que todos devem ser iguais, quando, em verdade, o que devem ser iguais são as oportunidades, de forma que o sistema permita a cada um a satisfação de sua individualidade até o limite da sua disposição ao sacrifício."

Comentário: Vamos bater na mesma tecla: ninguém que defende a CARREIRA ÚNICA diz que "todos têm que ser iguais" e sim que as OPORTUNIDADES DENTRO DA INSTITUIÇÃO têm de serem iguais, ou seja, todos os policiais entram pela base, com formação multidisciplinar, e só os que adquirem especialização e detêm a experiência e o perfil necessário sobem aos cargos mais altos de comando ou de especialistas. Simples assim. Isso é meritocracia ao limite. Em nenhuma polícia do mundo existe "concurso para chefe", mas em todas elas há entrada pela base e meritocracia.

13) "A percepção do concurso público como instrumento legitimador da “chefia” é uma visão libertadora, pois responsabiliza cada indivíduo pelas consequências de suas ações, estabelecendo um regime de mérito e respeitabilidade (iuris tantum) do cargo que ocupam. Se sou o que me fiz ser, não tenho legitimidade para questionar o que os outros são, quando poderia, se me esforçasse, estar no mesmo local."

Comentário: Com a CARREIRA ÚNICA todo indivíduo também é responsável pela consequência das suas ações, e não somente no caso de concurso para chefe. Mais do que um êxito pontual, as promoções na carreira única são angariadas pela atuação sistematicamente exitosa, com ganho de experiência, com qualificação contínua, enfim, por meio de uma vida profissional comprovadamente convergindo reiterada e consistentemente para o bem coletivo, para o interesse social. Em todas as empresas do mundo (fora as empresas públicas, onde o presidente é alguém colocado lá por razões políticas pelo governo de ocasião) há o respeito pela pessoa que chegou ao cargo mais alto, normalmente por experiência, talento, aptidão e por mérito, seja por ter construído sua carreira na própria empresa ou em outra empresa similar, com desafios semelhantes, mas a carreira sempre foi galgada pelo profissional ao longo de sua vida. É assim que também funcionam todas as polícias do mundo, e a única exceção é o Brasil, onde há concurso para chefe, como cita o autor da reportagem em tela.

14) "O que se tenta demonstrar é que um pós-doutor em física nuclear que espontaneamente prestou concurso e ocupa o cargo de escrivão não possui legitimidade para responsabilizar a administração por se achar subaproveitado. A responsabilidade por essas eventuais frustrações não pode ser terceirizada. Afinal, a culpa pela suposta má alocação desse indivíduo no serviço público é exclusivamente sua. E isso é bom que se tenha claro."

Comentário: Não faz sentido. Se assim fosse, os delegados também não poderiam responsabilizar a administração ao longo de todos esses anos: por estarem frustrados com relação às carreiras jurídicas de Juiz e Procurador/Promotor, por não terem direito a férias mais extensas como no judiciário, por não terem todas as prerrogativas exclusivamente jurídicas da carreira de juiz, por não terem direitos aos auxílios financeiros e tantas outras coisas. Novamente, temos distorção da verdade por meio de comparações incabíveis e omissão de fatos. Então tá: porque os delegados historicamente permaneceram e permanecem lutando por estas prerrogativas ao invés de fazerem uso da ferramenta "mais meritocrática que existe" que é o concurso público? Nos parece algo paradoxal criticar a carreira única e defender o concurso público como única ferramenta legítima para alcançar um melhor aproveitamento profissional e ao mesmo tempo querer equiparação a uma outra carreira totalmente distinta da sua por meio de leis.

15) "Por final, aos que pensam que o FBI segue o modelo da carreira única, sugere-se uma mera visita ao site dessa instituição. Em verdade, o FBI é composto de mais de 10 carreiras. A especialização das funções naquela agência policial e a divisão de tarefas são bem superiores às de órgãos assemelhados no Brasil."

Comentário: Esta afirmação sobre a estrutura do FBI está equivocada, e isto é fácil de comprovar numa rápida pesquisa no Google. O FBI não é composto de "mais de 10 carreiras" e sim de apenas DUAS carreiras, sendo uma delas na ÁREA FIM e a outra na ÁREA MEIO, sendo que os CARGOS que trabalham na ÁREA FIM são apenas CINCO: Agente Especial, Analista de Inteligência, Vigilância, Contador Forense e Especialista em Línguas Estrangeiras, sendo que há plena possibilidade de deslocamento entre elas, a depender primeiramente da VONTADE, mas também da experiência, da vocação e da especialização de cada profissional. Nenhum desses cargos da carreira da área fim do FBI existem formação ou especialização em direito (“law”), muito pelo contrário, lá no FBI a multidisciplinaridade é a coisa mais valorizada de todas. Para que fique bem claro: NÃO EXISTE CARGO DE DELEGADO NO FBI. NÃO EXISTE CARGO JURÍDICO NO FBI.

16) "Se o objetivo é buscar modelos para benchmarking, não é necessário ir tão longe, basta olhar para a iniciativa privada. Lá, há muito a ensinar ao funcionalismo público. Em nenhuma empresa no planeta existe carreira única."

Comentário: Muitos de nós Policiais Federais viemos do mercado privado de trabalho, alguns com duas décadas de experiência. Dizer que "em NENHUMA empresa do planeta existe carreira única" é algo não só extremamente exagerado, mas sim equivocado e não condiz com a verdade. Não só existe como é princípio fundamental de meritocracia. Posso citar o exemplo das maiores firmas de consultoria de gestão do mundo, como IBM, PriceWaterhouseCooper, Deloitte, Ernst&Young, KPMG, Accenture, Bain & Company, McKinsey, The Boston Consulting Group, e outras, onde se inicia ainda como Estagiário, depois passa-se ao cargo de Analista, depois Consultor, depois Gerente, depois Gerente Senior, e por fim, Diretor/Sócio. Obviamente que para ser promovido é necessário ter potencial e demonstrar muito resultado. No serviço público brasileiro também existem vários exemplos bem-sucedidos de carreira única, inclusive na PRF.

17) "As corporações modernas são estratificadas em níveis de especialização extremos. Sem ruídos corporativistas, sedimentada na fria e objetiva produção de resultados, cada trabalhador em sua esfera de atribuições encontra-se subordinado a diversos graus de gerência em uma estrutura, muitas vezes, mais hierarquizada do que nos meios militares. No deserto da eficiência e eficácia, não há espaço para lamúrias, somente resultados."

Comentário: Nas empresas o que existe é a chamada "CARREIRA EM Y", o que significa dizer que, caso o profissional queira crescer na carreira (ter mais responsabilidades, trabalhar com assuntos mais complexos, gerir pessoas, etc), ele tem dois caminhos possíveis: a de buscar cargos de GESTÃO ou cargos de ESPECIALIZAÇÃO em alguma área. Para chegar a esses cargos mais altos e complexos, não há "lamúrias". Só há um caminho, qual seja, o efetivamente ora defendido: a MERITOCRACIA. No caso da polícia, analogamente, isso significa dizer que o policial que entra pela base tem as mesmas duas opções, como na iniciativa privada, a saber: a) se especializa na gestão funcional, financeira e de pessoas, ou b) segue na direção de se tornar um especialista em algum área - e não estamos falando necessariamente em ser um perito forense em alguma área da ciência, mas sim tornar-se especialista na sua área de atuação, seja ela na parte de técnicas de abordagem, armamento e tiro, piloto de helicóptero, “sniper”, analista de inteligência, ou qualquer outra. Novamente, é assim que funcionam todas as polícias do mundo. Por que é que temos que ser os "diferentões"? Para manter nossa absoluta ineficácia na elucidação de crimes, comparados com os modelos que comprovadamente funcionam?

Para finalizar, a ANEPF - Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal, assim como praticamente todas as outras associações, sindicatos, organizações, uniões, federações e entidades em geral que representam policiais no Brasil, defende uma ampla REFORMA na estrutura da segurança pública em nosso país, por uma polícia mais moderna, mais efetiva, mais eficiente e eficaz e menos burocrática para o povo brasileiro.

Para tanto, a ANEPF apoia as seguintes iniciativas:

- CARREIRA ÚNICA nas instituições policiais (todas elas), com a ENTRADA ÚNICA e a promoção através da experiência, da excelência profissional e com base – sempre – na meritocracia;

- CICLO COMPLETO de polícia, para que todas as polícias (civis e militares) possam fazer tanto policiamento ostensivo/preventivo quanto realizar investigações de crimes já ocorridos;

- EXTINÇÃO do procedimento conhecido por INQUÉRITO POLICIAL (arcaica e INEFICIENTE subespécie de procedimento investigatório injustificadamente judicialiforme, que deve ser substituído por novos procedimentos, TÉCNICOS, RÁPIDOS e focados na coleta de provas);

- Superação do regime de "PRESIDÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES", e a adoção de sistema de trabalho sob coordenação de POLICIAL DE CARREIRA escolhido em razão de EXPERIÊNCIA e CONHECIMENTO TEMÁTICO.

Todos estes conceitos são utilizados pelas melhores polícias do mundo, como o FBI dos Estados Unidos e a Scotland Yard de Londres, só para citar duas bem conhecidas.

Além disso, a ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República – já manifestou pleno apoio a todos estes conceitos, na chamada CARTA DE ANGRA DOS REIS de 2014, dentre muitas outras associações, fundações, sindicatos e instituições em geral.

#AtribuiçõesEmLei #CarreiraUnica #EntradaUnica #CicloCompleto #Unificação #Meritocracia #Multidisciplinaridade #Desburocratização #PoliciaCientifica #AposentadoriaPolicial #OPF #PEC361 #PEC73

* Link para o texto em referência: https://www.conjur.com.br/2018-jun-16/erick-sallum-ideia-carreira-unica-policia-judiciaria-utopia

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Redação de uma estudante de direito sobre CARREIRA ÚNICA e CICLO COMPLETO de polícia

Recebemos esta semana, de uma estudante de direito do sexto período, uma redação que fala da carreira única policial e também do ciclo completo de polícia. Referido texto foi escrito como parte de um processo seletivo para um escritório de advocacia, e nos foi disponibilizado pela própria autora, que é fã da nossa página e de nossas ideias.

Pelo que nos contou, esta promissora estudante também já foi estagiária numa delegacia de polícia, e por isso teve contato com a forma como são conduzidas as investigações criminais nas polícias, e pôde chegar a uma importante conclusão: precisamos modernizar a estrutura das nossas polícias urgentemente em prol da nossa sociedade.


Vamos ao texto, que transcreveremos na íntegra a seguir, mas com grifos nossos.

"A ineficácia do inquérito policial e ausência da carreira única

O inquérito policial é um dos métodos investigativos da fase extrajudicial redigido pela autoridade policial. O delegado de polícia recebe uma notícia-crime acerca dos fatos a serem apurados e demanda diligências a serem cumpridas pelo escrivão responsável.

A teoria nos traz a ideia de que o único responsável pelo inquérito seria o delegado. Porém, assim como todo órgão público, existem inúmeros responsáveis presentes nas entrelinhas que corroboram de maneira indispensável para verificação da materialidade e autoria, mas os consideram inferiores quanto à hierarquia interna.

No que concerne ao tema, há de considerarmos que o policial militar, ao averiguar a ocorrência e capturar o "suposto" autor do ato ilícito, está encarregado de encaminhar o caso à delegacia mais próxima na circunscrição, tornando sua atividade menos eficiente, uma vez que, ao invés de ele mesmo produzir/conduzir as peças e os devidos registros, é obrigado a transferir a tarefa a terceiro. O delegado fica horas elaborando as peças do flagrante, ou até mesmo o próprio escrivão, deixando de produzir acerca das demandas já presentes em cartório. Não podemos deixar de consignar que os policiais militares, além de transferir sua atividade a terceiro, são obrigados a aguardar o término dessa produtividade acerca da ocorrência.

Por outro lado, ao instaurar um inquérito policial por meio de portaria, tornam-se inúmeras as diligências a serem realizadas do início ao fim, levando em consideração as peças meramente burocráticas e ineficientes, tais como "certidão de remessa", "certidão de vistas", "conclusão", etc. Estas são desnecessárias em um mero procedimento investigativo que, na maioria das vezes, acaba sendo arquivado pelo Ministério Público.

Além disso, a fase de procedimento, na prática, não é velada, porquanto assim que o averiguado recebe sua carta de intimação (tendo em vista que em todo inquérito se faz necessária a oitiva de cada investigado, se esta não for cumprida, o MP conduz a remessa dos autos para que esta obrigação seja concluída) toma conhecimento de que há um apuratório sobre determinada conduta, dando abertura para que ele recorra a métodos de defesa, seja através de um representante legal, ou até mesmo visando lesionar o poder executivo, mesmo não se tratando de fase processual.

Isto posto, conclui-se que a figura de um representante / presidente do inquérito policial é desnecessária, criando apenas cargos hierárquicos, sem a devida eficiência. O ato de demandar atividades torna o procedimento ainda mais lento.

O inquérito policial teria eficácia com a presença de sigilo total dos autos, para que a investigação ocorra sem interferência e alerde, com a implementação da carreira única e o ciclo completo, tornando todos os policiais aptos para conduzirem a investigação; com a não submissão de diligências requisitadas pelo Ministério Público, trazendo mais autonomia aos serviços prestados pela polícia, considerando e visando sua real produtividade."

domingo, 17 de junho de 2018

MANTER O CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA INVIABILIZA A EFICIÊNCIA INVESTIGATIVA DAS POLÍCIAS CIVIS NO BRASIL?


TÍTULO: MANTER O CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA INVIABILIZA A EFICIÊNCIA INVESTIGATIVA DAS POLÍCIAS CIVIS NO BRASIL?

Penso que manter o cargo de delegado de polícia é plenamente compatível com uma Polícia Civil eficiente em investigar crimes, desde que este cargo, o de delegado de polícia, seja tido como o cargo do final de uma Carreira Única Policial, composta por cargos distintos. Exemplo: Oficial de Polícia Civil (na base) e Delegados/Peritos (no topo da Carreira Única Policial).

O que precisa mesmo deixar de existir, para haver índices satisfatórios de elucidação de crimes no Brasil, não é o cargo de delegado de polícia como chefe, mas sim o concurso público que coloca um inexperiente bacharel em Direito com 23 anos de idade, como Chefe de uma Unidade de Polícia, chefiando Investigadores experientes e os controlando com base na exclusividade legal do cargo de delegado de polícia para presidir Inquérito Policial (concentrador da Investigação Policial no Brasil, conforme CPP).

Não precisa acabar com o cargo de delegado de polícia, precisa acabar com o acesso externo a este cargo por concurso público e, principalmente, descentralizar as investigações hoje concentradas no Inquérito Policial presidido, com exclusividade, por um bacharel em Direito, o delegado de polícia.

No mundo inteiro, somente existe o Inquérito Policial, nos moldes do Brasil, conduzido por bacharel em Direito, no Brasil, em Gana e Guiné Bissal.

Até mesmo Portugal e França, que inventaram este modelo inquisitorial de investigação policial, o quase processo penal conduzido por policial bacharel em Direito, faz mais de 100 anos, abandonaram este modelo centralizado de investigação policial, "bachaleresco", "judicialiforme", e afirmaram os modelos descentralizados de investigação criminal, aproximando o Investigador da cena do crime, tal qual na Inglaterra, EUA, Alemanha, Japão e Chile.

Assim como na Segurança Viária, para o salvamento da vida e a redução da classificação das lesões decorrentes de acidente de trânsito existe a chamada Hora de Ouro do Salvamento; na Investigação Criminal existe o Calor da Cena do Crime.

Quanto mais distante da Hora de Ouro forem as medidas para o salvamento das vítimas de um acidente de trânsito, menores serão as chances de sobrevida das vítimas e maiores serão as classificações das lesões decorrentes.

O mesmo raciocínio se aplica ao Calor da Cena do Crime. Quanto mais distante o Investigador estiver da cena do crime, a partir do momento em que o crime aconteceu, menos as chances do Investigador de elucidar o crime, indicando autoria e materialidade com base em indícios de provas.

O Inquérito Policial, conduzido com exclusividade por bacharel em Direito, o delegado de polícia, é o grande responsável pelo afastamento do Investigador da cena do crime, mais ainda do calor da cena do crime; tendo em vista o Ciclo Partido de Polícia no Brasil, onde as polícias que estão próximas do Calor da Cena do Crime, PM e PRF, são impedidas de investigar e obrigadas a entregarem a notícia dos crimes nas delegacias das ditas polícias judiciárias, PCs e PF, no intuito de que após o registro do RO policial por um Agente de Polícia, o delegado, meses após, depois de instaurar um Inquérito Policial, determine que um Investigador vá até a cena do crime, por óbvio quando as testemunhas já perderam a boa memória do ocorrido e quando na cena do crime pouco ou nenhum vestígio sobrou.

#FIMdoConcursoParaChefesInexperientesNasPolícias #FIMdoInquéritoPolicialNoBrasil #NÃOaoRelatórioJoãoCamposNoNovoCPP_PL8045 #SIMaoPL7402_FlexibilizaçãoDaInvestigaçãoPolicial

Autor: 
Márcio Azevedo
Policial Rodoviário Federal

sábado, 16 de junho de 2018

Os gargalos da investigação: institucional, funcional e instrumental


Segurança pública nunca foi tema tão debatido pela sociedade brasileira. A crise não é de agora, mas a opinião pública, diante do cenário assustador de avanço da criminalidade e dos índices de violência, começa a concentrar sua atenção em busca de mudar essa realidade. A sociedade não aguenta mais pagar por uma segurança que não tem.

O caos enseja o novo. Não há mais espaço para demagogias ou então, mais do mesmo. O velho discurso de falta de verbas para contratação de gente e compra de equipamentos já não satisfaz as mentes mais atentas, pois, felizmente, aumentou a massa crítica.
A sociedade percebeu que não adianta gastar dinheiro bom em coisa ruim. Dinheiro nenhum fará o atual sistema "falido" funcionar.

Sem a pretenção de esgotar tema tão complexo, a proposta é salientar uma das causas, dentre as principais, que explica a realidade que estamos vivendo, sendo esta introdução importante para dar ao texto, contexto.

Para entrar definitivamente no assunto principal, é importante antes chamar a atenção do leitor para o fato de que a impunidade é protagonista nessa história.
Perguntem a si mesmos: por que o crime compensa no Brasil?
No decorrer do texto se evidenciará que a impunidade, infelizmente, é regra.

O primeiro gargalo da investigação (policial) é a divisão do ciclo policial, característica do modelo de polícia brasileiro.
Levando em consideração o modelo estadual, que desempenha, digamos, o grosso da atividade policial, temos duas polícias: a Civil e a Militar.
Podemos chamá-las, não com a intenção de desmerecê-las, de meias polícias. Cada uma só age em parte do fenômeno criminal. Enquanto uma atua na prevenção, policiamento ostensivo e preventivo (Polícia Militar ou PM), a outra atua na investigação e também exerce as funções de polícia judiciária (Polícia Civil). A primeira, antes do crime ocorrer, e a segunda, após a ocorrência do crime.

É possível já antever o prejuízo disso para resultados positivos no combate ao crime e à impunidade?

Duas meias polícias, com estruturas bem diferentes, regimes jurídicos diversos, que não se comunicam e, pior, que agem como competidoras para chamar a atenção do "patrão" (Governo).

Com essa divisão, perde-se muito em matéria de conhecimento e inteligência criminal. Por exemplo, a PM faz todo um trabalho para realizar uma prisão em flagrante importante, mas seu serviço acaba aí. Entrega tudo à Polícia Civil, que fará o trabalho de investigação de algo que já ocorreu, tentando descobrir desdobramentos daquela ação. A PM volta a fazer seu serviço de policiamento ostensivo e preventivo sem auxiliar nas investigações.

Outro ponto a se destacar é que as polícias civis (PCs) têm um contingente muito menor do que as PMs. Assim, as PCs recebem ocorrências da PM, de outros órgãos de segurança (GM, PF, PRF) e também de várias outros órgãos e instituições, como o Ministério Público, o Judiciário, secretarias, órgãos de fiscalização e controle, fazendários, ambientais, etc.

Isso forma o primeiro gargalo (institucional). A exclusividade do trabalho de investigação nas mãos de uma única instituição, com efetivo bem menor já em relação à sua parceira (PM) estadual, sem necessidade de entrar no mérito de outras carências.
Para ilustrar, podemos pensar na seguinte analogia: um cano de grande diâmetro despejando líquido em um cano estreito. O que acontece?

Para piorar, e muito, a situação, não bastasse essa exclusividade institucional, temos, dentro da própria estrutura das PCs, um outro gargalo (segundo), que é o fato de um cargo apenas da estrutura (com número bem reduzido em relação aos demais) deter várias prerrogativas exclusivas, o que centraliza as investigações no seu entorno. Nada se faz em matéria de investigação oficial sem a participação desse cargo, que é o Delegado de Polícia (gargalo funcional).

Os outros policiais civis não possuem autonomia investigativa. Se agem com alguma autonomia, esta é restrita ou mitigada. Ou essa investigação será realizada a título preliminar, sendo posteriormente direcionada ao centralizador (Delegado) para analisar seu futuro (instauração de procedimento oficial de investigação ou arquivamento), ou então ocorrerá no curso da investigação oficial, sempre sob a coordenação do centralizador. Só isso já é suficiente para gerar um acúmulo invencível de trabalho nas mãos dos delegados, pois são poucos se comparados ao restante da carreira policial da própria instituição que pertencem.

Em outros países, a investigação é realizada de forma descentralizada e com autonomia plena por parte dos policiais investigadores, que têm uma atuação técnica, com base em ciência policial. Assim, alcançam altos índices de eficiência.
O público em geral, quando imagina um modelo de investigação (pela influência do cinema), pensa logo na dupla de investigadores trabalhando nas investigações do início ao fim, alcançando resultados satisfatórios, como no modelo norte americano, por exemplo. Nada mais longe da realidade brasileira.

No país, adotamos um modelo burocrático, com excesso de formalismos, que usa como parâmetro o processo judicial, presidido por um bacharel em Direito (Delegado) que, em muito, se assemelha mais com um cargo de natureza jurídica do que policial, formando o terceiro gargalo da investigação (instrumental).

Essa natureza do inquérito policial, em ser um procedimento análogo ao processo judicial, deu à investigação policial (fase pré-processual) características descabidas. O que deveria ser técnico, descomplicado, flexível, ágil e eficiente, se mostrou burocrático, engessado, lento e ineficiente. Os inquéritos lotam cartórios de delegacias sem resolução, numa verdadeira fábrica da impunidade.

Exemplos para ilustrar não faltam: o local de crime raramente é visitado pelo delegado; existe um lapso descabido entre a ocorrência do crime e o início das investigações; suspeitos e testemunhas não são ouvidas no local onde são encontradas, mas intimadas a comparecerem nas delegacias, o que gera desperdício de tempo e recursos humanos e materiais; o procedimento é demasiadamente formal, sendo os documentos produzidos autuados como se fosse em um processo judicial, com capa, etiquetas, termos, carimbos, etc., fazendo com que um grande contingente gire ao redor da formalização, deixando a produção de conhecimento desfalcada.

Algumas investigações são exitosas? Existem operações importantes e de sucesso? Sim. É preciso aplaudir todos os envolvidos pelos bons trabalhos, mas isso não apaga o fato de que o modelo não funciona na sua quase integralidade de situações. Levantamentos realizados por fontes oficiais e não oficiais, dentre elas o Ministério da Justiça, e isso é muito fácil de pesquisar, dispensando citação, apontam que menos de dois dígitos percentuais dos inquéritos instaurados levam a algum tipo de responsabilização criminal.
Isso quer dizer que em cada 100 crimes cometidos, mais de 90 ficam impunes.

Já foi a uma delegacia de polícia noticiar um crime digamos, sem grande repercussão? Qual foi o resultado? Algum conhecido já comentou algo parecido? 

Outro aspecto negativo do modelo "judicialiforme" (análogo ao judicial) de investigação, baseada no inquérito policial, foi a idealização e formatação da estrutura organizacional e funcional das PCs com base no Poder Judiciário. Enquanto este é composto, nuclearmente, em autoridade judicial e servidores auxiliares, aquelas são formadas pela autoridade policial e seus agentes (com funções análogas às de escrivão e de oficial de justiça). Tal paralelo criou carreiras policiais divididas em castas: a dos delegados e a dos demais policiais, com grandes diferenças de valorização profissional, especialmente, salarial.

O policial entra por concurso público, mas nunca chega às funções de coordenação das investigações ou a postos de comando e gestão do órgão. Para isso, terá que sair da polícia para, por novo concurso, entrar novamente. Competirá com um enorme contingente de candidatos, às vezes, dedicados exclusivamente aos estudos, que não precisam dividir seu tempo com a atividade profissional, ainda mais uma que conta com a chamada dedicação exclusiva.

Se privilegia a experiência policial? Será que o policial trabalhará motivado? Será que dará o seu máximo, todo o tempo, para fazer o melhor e ser reconhecido e promovido? A resposta é negativa. Não existe promoção. Não existe carreira.

Eis uma fotografia do nosso modelo de investigação, uma das grandes causas da impunidade e violência que vemos todos os dias no cotidiano do país.

Corporativismos tentam esconder isso da sociedade. A mídia é conduzida a fazer sensacionalismo "policialesco", ao invés de ir atrás das verdadeiras causas da crise na segurança pública.

O modelo estadual é também utilizado, com grande similaridade, no nível federal (Polícia Federal adota a mesma estrutura e modelo de investigação, assim como detém a exclusividade institucional) e seus números não são muito diferentes.

Para não apontar apenas os problemas, mas propor soluções, a resposta passa por acabar com os gargalos.

Primeiro, acabar com a exclusividade institucional, implantando o ciclo completo em todas as polícias, ou seja, todas atuando tanto na prevenção, como na investigação, fazendo com que cada uma tenha uma estrutura de investigação apropriada e do tamanho necessário para dar conta da demanda que ela mesma é capaz de produzir.

Em segundo lugar, acabar com a exclusividade funcional, ou seja, descentralizar as investigações, colocando fim às prerrogativas exclusivas de um único cargo, fazendo com que um número muito maior de investigadores, com formação  multidisciplinar, possam atuar com autonomia para vencer a grande demanda.

Por fim, acabar com o formalismo exagerado e burocrático do inquérito policial, permitindo uma atuação técnica, descomplicada e célere, para se alcançar índices de eficiência compatíveis com exemplos internacionais, diminuindo a impunidade e seus desdobramentos nefastos, como o descontrole da criminalidade e da violência.

Essas alterações permitiriam também uma modernização da estrutura organizacional das polícias, prevendo carreiras meritocráticas, onde o policial que entre pela base, vá ascendendo na carreira por experiência, formação especializada e mérito, chegando aos postos de coordenação e gestão.

Que este texto possa movimentar as "águas paradas" da segurança pública e colocar o assunto na pauta de discussões dos nossos representantes políticos, atuais e futuros.

Mauricio Garcia
Bel. em Direito
Especialista em Investigação Policial
Escrivão de Polícia Federal
Conselheiro da ANEPF



domingo, 10 de junho de 2018

Nota pública ANEPF 1/2018


A Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal manifesta-se publicamente a respeito do recente caso "Escrivão é preso por delegado por usurpação de função na RMC", ocorrido no dia 08/06/2018 no Paraná.

Link da reportagem: http://www.tribunapr.com.br/noticias/curitiba-regiao/escrivao-e-preso-pelo-proprio-delegado-na-rmc/"

O "casamento" está um inferno, mas a o divórcio está difícil de sair.

Não é de agora que este relacionamento vai de mal a pior. Estamos falando de uma relação pensada em outro contexto (meados do século passado) e, assim como o ultrapassado inquérito policial, já deveria ter deixado de existir.

Nos referimos à dupla que trabalha nos autos dos inquéritos policiais: o delegado e o escrivão.

Na verdade, tanto o inquérito quanto a estrutura organizacional de uma polícia pautada na burocracia e longe de ser eficiente é mantida por interesse único e exclusivo de uma classe policial, a dos delegados.

Às vezes é preciso algum evento "estranho" acontecer para que se evidencie o absurdo, se escancare a desordem, a desarmonia, a incoerência.

Esse evento referido acima ocorreu nesta última sexta-feira, na Delegacia de Fazenda Rio Grande/PR, na região metropolitana de Curitiba/PR. 

Um escrivão de polícia foi preso acusado de usurpação de função pública e desobediência. De acordo com o boletim de ocorrência, a situação aconteceu durante a apreensão de um adolescente, na qual o escrivão teria atuado em desacordo com as orientações do delegado.

Mesmo sem entrar a fundo no ocorrido, para evitar conclusões precipitadas, é possível e oportuno se fazer algumas considerações e trazer à baila um pouco de uma realidade desconhecida da imensa maioria do povo brasileiro.

Quem já teve seu veículo ou residência furtados sem autoria conhecida, por exemplo, e foi até uma delegacia de polícia noticiar o ocorrido, pode perguntar a si mesmo: o que foi feito a respeito? Houve investigação? Ou só foi lavrado um boletim de ocorrência para fins de cobertura de eventual seguro? 

Pois o modelo de investigação no país revela sua ineficiência em todos os detalhes.
Pesquisas oficias e não oficiais apontam a eficiência do modelo investigativo brasileiro (inquérito policial) em menos de dois dígitos percentuais, ou seja, mais de 90% dos crimes cometidos não têm seus autores responsabilizados. Eis o retrato da impunidade em nosso país.

Na maioria das delegacias do Brasil, os inquéritos policiais, quando existem, são conduzidos, em tese, pela dupla delegado e escrivão, com a participação de outros cargos policiais de forma mais periférica.

Dissemos em tese, pois a realidade mostra que os escrivães de polícia, na maioria dos casos, fazem o trabalho enquanto os delegados apenas ratificam o que foi feito (assinam a formalização e montagem do caderno de investigação que "materializa" o inquérito).

Cada cargo tem suas prerrogativas e funções definidas, e cada qual deveria realizar uma parte do trabalho, mas a realidade demonstra um desequilíbrio na relação. Por controlar as ditas polícias judiciárias e suas corregedorias, a classe dominante de delgados criou curvas nas vias retas da lei. Os escrivães acabaram sendo, com o tempo, cada vez mais sobrecarregados e sacrificados, "carregando o piano" sozinhos.

É de conhecimento público que, em grande parte das delegacias de polícia do país, os escrivães formalizam os flagrantes, ouvem suspeitos e testemunhas, intimam, oficiam, enfim, fazem o grosso trabalho, digamos assim, sem a presença física dos delegados. São acionados para irem ao trabalho durante as madrugadas, fora de seu expediente regular de trabalho, cumprem uma escala desumana e atendem e realizam sozinhos os trabalhos.

É no contexto acima que o caso em tela deve ser analisado e eventuais julgamentos prévios feitos pela opinião pública.

Não faremos mais críticas ao modelo, deixando para que cada leitor faça suas próprias pesquisas e tire suas próprias conclusões. Ficaremos por aqui para não nos alongarmos além do objetivo desta manifestação.

Soubemos que, em nota, a Direção da Polícia Civil informou que, assim que tomou conhecimento dos fatos, determinou que a Corregedoria-Geral e a Divisão de Polícia Metropolitana apurassem o caso. “Um procedimento administrativo disciplinar será aberto pela Corregedoria a fim de apurar devidamente os fatos”, informou a corporação.

Esperamos que a referida corregedoria faça sua análise com imparcialidade e livre do forte corporativismo dos delegados, apontando eventuais irregularidades de ambas as partes, não descartando abuso de autoridade, assédio moral, constrangimento ilegal ou qualquer outro entendimento que caiba ao caso por parte do delegado, já que o escrivão já foi, previamente, prejudicado e até sancionado.

Nos colocamos à disposição da representação da classe de escrivães de polícia do estado do Paraná para o que precisarem na defesa da justiça com referência ao colega envolvido.

Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal - ANEPF